Mais de 1100 pessoas foram a enterrar nos cemitérios da
Mulemba e do Camana, na semana passada. Só no último Sábado foram a
enterrar no Camama 62 crianças, na Mulemba outras 54 e no Benfica 19.
Apenas
alguns números de uma ‘semana funesta’ onde tudo parece funcionar em
cadeia, a começar pelo caos em que mergulharam os hospitais e as
morgues. Números que podem não reflectir a realidade, porquanto são
apenas de alguns cemitérios oficiais. A eles se juntam os números
“oficiosos” dos cemitérios clandestinos.
Mais de 500 pessoas foram a enterrar no cemitério do 14
O também conhecido por cemitério da Mulemba, localizado no município
de Cacuaco, está neste momento a registar, segundo o responsável, muita
demanda. Só na semana passada, pelo menos 500 pessoas foram enterradas,
de segunda a Sábado.
Por força da demanda, os coveiros são orientados a trabalhar a
dobrar, mas, para amenizar a situação, o responsável do cemitério da
Mulemba ‘14’, Pedro Garcia, teve que “buscar” mais 9 coveiros de outros
cemitérios cujo fluxo é relativamente mais baixo. Reconhece que nos
últimos tempos o número de mortes subiu e que têm trabalhado muito. “Não
temos folga, trabalhamos de 1 à 31 de cada mês. Tive de pedir mais
coveiros, porque os meus têm estado muito cansados.
Só para ter noção, de Segunda (dia 14) a Sábado (19) tivemos um total
de 533 enterros, sendo 229 de crianças e 304 de adultos”, informou. À
nossa chegada, fomos informados por um dos coveiros de que “o dia seria
duro”, pelo número de funerais a realizar. O cemitério abriu as portas
às 8:00h e os primeiros sete enterros foram de crianças que aparentavam
ter cinco anos, tendo o quadro mudado apenas às 9h59, período em que
começaram a enterrar adultos. O número crescia num brevíssimo espaço de
tempo e até às 10h5 pelo menos 11 crianças e 7 adultos haviam sido
enterrados. Até ao encerramento dos portões do cemitério, concretamente
às 15h30, um total de 54 crianças e 50 adultos, haviam sido sepultadas.
Cemitério do Camama registou mais de 600 funerais na semana passada
Só no Sábado foram enterrados 62 crianças e mais de 50 adultos. Na
última semana, o cemitério do Camama registou uma média de 100
funerais/dia segundo o administrador deste ‘Campo Santo’, Gerónimo
Chilunda. Os números subiram nos últimos dias, segundo o responsável,
que aponta o quadro de saúde que se vive em Luanda como o principal
causador de tantos óbitos. Só no Sábado foram enterrados 62 crianças e
56 adultos, perfazendo 118 no total.
OPAÍS fez essa contagem a dedo, Sábado, durante cerca de 4h neste
cemitério, um dos mais antigos da periferia. A jornada começou às 9h37 e
passada cerca de hora e meia, ou seja, às 11h10 estavam sepultados já
40 crianças e 22 adultos. Enquanto os olhos permaneciam atentos, as
viaturas transportavam urnas e os ouvidos captavam as tristes histórias
contadas pelos familiares sobre a forma como os seus entes queridos se
foram.
“Isso é porque abriu o cemitério do Benfica, porque senão vocês
podiam pensar que é azar”, disse um funcionário que acompanhava
atentamente a nossa contagem.
Cemitério municipal de Viana com mais de cem enterros diários
O cemitério municipal de Viana regista, desde o mês de Fevereiro, um
elevado número de enterros que está a preocupar os funcionários daquele
espaço santo localizado no bairro da Sanzala. Actualmente, naquele local
são realizados mais de 100 funerais, contra os 60 efetuados
antigamente.
Porém, as crianças, dos 0 aos 14 anos, representam o maior número de
casos com mais de setenta por dia. Contactada por OPAÍS, a direcção
daquele espaço santo mostrou-se indisponível a prestar quaisquer
declarações. Já uma fonte da referida instituição fez saber que, devido
ao elevado número de cadáveres aí sepultados, o cemitério está a correr
sérios riscos de ficar sem espaço. “Já existe um projecto de
requalificação do cemitério municipal de Viana que foi anunciado em
Janeiro pela Direcção Provincial dos Serviços de Cemitérios, Morgues e
Velórios de Luanda.
As obras ainda não tiveram início, devido à situação de crise que o
país enfrenta. Mas em função da demanda penso que esse processo terá de
ser acelerado porque estamos a receber muitos cadáveres”, explicou. “É
um período bastante difícil, mas não nos resta outra alternativa senão
atender à procura” finalizou a nossa fonte.
Suposta visita do governador de Luanda promove limpeza no cemitério do Benfica
Os funcionários estavam receosos de que o governador de Luanda,
Higino Carneiro, ao visitar o cemitério, se apercebesse que no referido
dia as torneiras estavam “secas”. As informações segundo as quais o
governador da Província de Luanda, Higino Carneiro, neste Sábado, 18,
realizaria uma visita de constatação ao Cemitério do Benfica, em Luanda,
gerou preocupação entre os funcionários da instituição, que com auxílio
de grupos religiosos, apetrecharam o local, tal como apurou OPAÍS.
Às 8 horas e 27 minutos, momento em que teve início a nossa
reportagem, ficou evidente a “correria” entre os funcionários da
instituição que tinham as tarefas muito bem estruturadas. Uns faziam a
recepção das urnas e orientavam os familiares, outros carregavam baldes
de tinta para as árvores, enquanto outros ainda acarretavam bidões de
água (20 litros), e os demais executavam tarefas de rotina. Um cidadão
que se fazia acompanhar por familiares desde às primeiras horas do dia e
presenciava o momento em que a campa do seu ente-querido era feita,
disse ao funcionário: “é melhor resolverem também a questão das casas de
banho que não têm água. Aquele kota então exonera feio”.
Minutos depois, presenciamos a chegada de fiéis da Igreja Messiânica
que plantavam árvores, procediam à remoção de capim nas campas e
distribuíam flores enquanto o grupo juvenil da Igreja Universal do Reino
de Deus varria. De realçar que a limpeza não condicionou os mais de 60
funerais realizados no dia, os quais estavam acima de 45 de adultos e de
15 de crianças, portanto, até às 13 horas.
Após quatro horas de espera não presenciamos a suposta visita do
governador da Província de Luanda, Higino Carneiro, pelo que
questionámos um funcionário da instituição, no caso, o “senhor Ventura”,
tendo- nos revelado que a visita estava programada de facto, mas, por
motivos que também desconhecia, fora desmarcada. “A visita já não será
feita hoje, ficou marcada para um outro dia, mas não sei quando será”,
rematou.
Entre a dor e o desrespeito
Durante a nossa reportagem, viam-se cidadãos consumindo bebidas
alcoólicas no próprio cemitério, e outros ainda que zombavam da forma
como determinadas pessoas choravam pelos seus entes queridos. “Estou
avisar, não quero aqui nada de aiuê, aiuê”, dizia um jovem à sua irmã.